Se você sobreviveu ao Natal – o máximo que se pode esperar da data – hoje começa a contagem regressiva para as festas de Ano Novo. Daquele tio chato você já se livrou, a ressaca passou, mas os quilos a mais indicam que você exagerou na ceia. Ainda tem uma lista de amigos que pretende “tomar um chopp”, esse jeito carioca de nunca se encontrar de fato. Você ainda vai sair para trocar os presentes. É provável que na loja não tenham mais o seu número, e talvez você seja obrigado(a) a se conformar sapatos apertados. Como se não bastassem as compras de Natal, que já levaram mais do que previsto no seu décimo terceiro salário, você ainda pretende escolher uma roupa branca nova para passar a festa de réveillon. Sabe como é, sempre se pode lançar mão de um cartão de crédito…
O leitor pode achar que a colunista é muito espírito-de-porco e pouco espírito-de-Natal, mas o fato é que a obrigatoriedade da alegria sempre me incomodou. E, pior, sempre me deixou triste. Até que eu descobrisse que isso era um sintoma grave de neurose, eu passei muitas e muitas noites de Natal achando que só eu estava meio triste. O resto da humanidade, excetuados aqueles que não tinham o que comer nem com quem passar as festas, estavam esfuziantes. Aos poucos, fui amadurecendo e descobri que não é bem assim. Existe uma penca de pessoas que, como eu, acredita que o máximo a se esperar da noite de Natal é chegar ao dia seguinte vivo.
Alie-se à obrigação de felicidade o espírito-cada-vez-mais-comercial da festa. O capitalismo conseguiu fazer com que muitas pessoas criem uma espécie de escala da felicidade natalina, que tem a ver com a quantidade/qualidade de presentes ganhos ou adquiridos. Sim, é cada vez mais o número de indivíduos que se auto-presenteiam, certos de que são, acima dos seus amigos e parentes, merecedores da própria atenção. Há quem diga que não pode ser diferente: em tempos de super-valorização da técnica e de descrença em qualquer sentido ou significado para a existência, o melhor que você pode esperar dessa data é um I-Pad novo mesmo. Eu ganhei o meu e estou feliz da vida.
O fato é o Natal é cada vez mais sinônimo de compras, compras e…compras. Uma lembrancinha aqui, uma besteirinha ali, e mesmo aqueles que, críticos como eu, pretendem não aderir à horda de consumidores que invade os shoppings centers, de repente se vê cercado de embrulhos e obrigações natalinas.
Essa é uma semana absolutamente democrática, na qual não há excluídos. Estamos todos esperando pela próxima comemoração forçada de felicidade: o Ano Novo. Menos piegas, menos carregado daquele jeitão melancólico do Natal, a festa de réveillon é mais livre, mundana, menos familiar, mais escrachada, não tem cheiro de religiosidade, mas nem assim consegue ser espontânea. Estamos todos obrigados a renovar votos de esperança e felicidade à meia-noite do próximo sábado, 31, esteja você de havaianas na democrática Praia de Copacabana ou de salto agulha num festão de arromba, exclusivo e sofisticado.
Confesso o que mais me incomoda nesta última semana do ano é uma inevitável ansiedade: fico torcendo para que o Ano Novo chegue logo, as festas acabem e a vida possa voltar a ser normal. Ou seja, eu possa ver os amigos sem classificar o encontro como “o último chopp do ano”. É tudo tão mais fácil quando o deadline de “nos ver ainda esse ano” desaparece. Sem a mesma pressa, voltaremos a ser relaxados, lenientes, preguiçosos e teremos todo o direito de voltar a dizer, sem nenhuma convicção: “vamos combinar para semana que vem”. Da minha parte, também espero poder aproveitar o clima de liqüidação que se instala no comércio – o capitalismo tem dessas coisas, quando a procura diminui, o preço cai… É claro que, para isso, é preciso ter escapado da enxurrada de apelos para gastar o dinheiro antes do Natal. Será que alguém aí conseguiu? Eu tenho defendido a idéia de que dezembro é para amador. Profissional faz compras, bebe e sai para jantar o ano inteiro.
Enfim, se der tudo certo, nos vemos e nos lemos em 2011. E, como não poderia deixar de ser, feliz Ano Novo para vocês.
Fonte: http://carlarodrigues.uol.com.br/index.php/1873
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
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